terça-feira, 3 de maio de 2016

9º ano - Geni e o Zepelim - 02/05/2016

GENI E O ZEPELIM
Chico Buarque

De tudo que é nego torto

Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni!
Joga pedra na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!
Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geleia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo: "Mudei de ideia!"
Quando vi nesta cidade
Tanto horror e iniquidade
Resolvi tudo explodir
Mas posso evitar o drama
Se aquela formosa dama
Esta noite me servir
Essa dama era Geni!
Mas não pode ser Geni!
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni!
Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
(E isso era segredo dela)
Também tinha seus caprichos
E ao deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai, Geni!
Vai com ele, vai, Geni!
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni!
Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!

ATIVIDADE


1- Quem é Geni? Ela sofre algum tipo de violência? Comprove a sua resposta com a canção.
2- Chico Buarque critica três instituições na canção. Cite essas três instituições e evidencie como são representadas na canção.
3- Durante a canção, o autor mostra a personalidade de Geni, mas não de forma pejorativa. Cite os versos que comprovam isso.
4- Explique que cidade era essa retratada pelos versos: “E é por isso que a cidade / Vive a sempre a repetir”.
5- É correto dizer que a música apresenta intertextualidade com a Bíblia? Justifique sua resposta.
6- Qual crítica social subjaz ao enredo da canção? 


6 comentários:

  1. Resposta da primeira questão. Gêni é um homossexual odiada por todos da cidade. Ela foi violentada? Sim, foi espancada e apedrejada.

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    1. Não existe nem mesmo uma marca linguística sugerindo que Geni seja homossexual. Nem mesmo o autor, Chico Buarque, sabe disso.

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    2. Tem sim. Há no texto uma cacofonia que vai sugerir a condição de travesti da personagem. Basta revermos o verso "num suspiro aliviado". Entendamos o processo: Geni está deitada e o eu lírico incorporado na figura de um narrador, mantém certa proximidade com o fato que está narrando e, com isso, causa no leitor mais atento a impressão de estar fazendo gestos de apontamentos de mãos, como, por exemplo, acontece também no verso "com dois mil canhões assim". Repare que a palavra "assim" é utilizada como se o eu lírico narrador estivesse demonstrando com as mãos a medida do canhão. Mas, voltando ao verso "Num suspiro aliviado", se fragmentamos a palavra, teremos um demonstrativo de lugar, "ali" como se apontasse para a personagem Geni no seu leito, deitada, pronta para descansar; o termo "veado" fica subentendido do termo oral "viado", que é um termo pejorativo, porém bastante comum ao se fazer referência à homossexualidade masculina. Não tenho dúvidas de que o Chico Buarque se sirva dessas expressões para fazer alusão a um perfil social bastante julgado pela sociedade, bastante discriminado e que, porém, em determinado momento, tem em suas mãos o poder de vingar, mas prefere a via da generosidade, da empatia, colocando suas escolhas pessoas em segundo plano para servir ao próximo. O texto fala da generosidade, da bondade e do amor pelo ser humano, mesmo sabendo que a raça humana é ingrata, conduzida por tipos sociais que determinam o que deve ou não ser aceito pela maioria. A questão do sexo entra no texto como uma metáfora da doação do corpo e da alma e, portanto, a questão do sexo homossexual é uma forma de tornar o texto mais ambivalente, ou seja, para falar desse amor que transita para além do gênero.

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