OS NAMORADOS DA FILHA
Moacyr Scliar
Quando a filha adolescente anunciou que ia
dormir com o namorado, o pai não disse nada. Não a recriminou, não lembrou os
rígidos padrões morais de sua juventude. Homem avançado, esperava que aquilo
acontecesse um dia. Só não esperava que acontecesse tão cedo.
Mas tinha uma exigência, além das clássicas
recomendações. A moça podia dormir com o namorado:
─ Mas aqui em casa.
Ela, por sua vez, não protestou.
Até ficou contente. Aquilo resultava em inesperada comodidade. Vida amorosa em
domicílio, o que mais podia desejar? Perfeito.
O namorado não se mostrou menos
satisfeito. Entre outras razões, porque passaria a partilhar o abundante café
da manhã da família. Aliás, seu apetite era espantoso: diante do olhar assombrado
e melancólico do dono da casa, devorava toneladas do melhor requeijão, do mais
fino presunto, tudo regado a litros de suco de laranja.
Um dia, o namorado sumiu.
Brigamos, disse a filha, mas já estou saindo com outro. O pai pediu que ela
trouxesse o rapaz. Veio, e era muito parecido com o anterior: magro, cabeludo,
com apetite descomunal.
Breve, o homem descobriria que
constância não era uma característica fundamental de sua filha. Os namorados
começaram a se suceder em ritmo acelerado. Cada manhã de domingo, era uma nova
surpresa: este é o Rodrigo, este é o James, este é o Tato, este é o Cabeça. Lá
pelas tantas, ele desistiu de memorizar nomes ou mesmo fisionomias. Se estava
na mesa do café da manhã, era namorado. Às vezes, também acontecia ─ ah, essa
próstata, essa próstata ─ que ele levantava à noite para ir ao banheiro e
cruzava com um dos galãs no corredor. Encontro insólito, mas os cumprimentos
eram sempre gentis.
Uma noite, acordou, como de
costume, e, no corredor, deu de cara com um rapaz que o olhou apavorado.
Tranquilizou-o:
─ Eu sou o pai da Melissa. Não se
preocupe, fique à vontade. Faça de conta que a casa é sua.
E foi deitar.
Na manhã seguinte, a filha desceu
para tomar café. Sozinha.
─ E o rapaz? ─ perguntou o pai.
─ Que rapaz? ─ disse ela.
Algo lhe ocorreu, e ele, nervoso,
pôs-se de imediato a checar a casa. Faltava o CD player, faltava a máquina
fotográfica, faltava a impressora do computador. O namorado não era namorado.
Paixão poderia nutrir, mas era pela propriedade alheia.
Um único consolo restou ao
perplexo pai: aquele, pelo menos, não fizera estrago no café da manhã.
EXERCÍCIOS:
1) Quais
são as características básicas da crônica?
2) De
acordo com a estrutura do texto narrativo lido, apresente:
a) A
situação inicial
b) O
conflito
c) O
clímax
d) O desfecho
3) O
fato de o pai aceitar que sua filha dormisse com o namorado surpreende o
leitor? Justifique sua resposta.
4) Como
o
narrador conseguiu tornar o cômico o equívoco do pai, no final do texto?
5) Qual
sua opinião a respeito do comportamento da adolescente do texto?
6) Defina
as palavras: descomunal; constância; perplexo; insólito.